Ao reeditar a Vida de Jesus, de Plínio Salgado –  agora enriquecida com a ilustração de notáveis artistas pernambucanos – a Editora Voz do Oeste não só presta um serviço à literatura nacional, mas homenageia um dos homens públicos de maior carisma do cenário político brasileiro.

A Vida de Jesus, de Plínio Salgado, não é apenas um clássico da literatura brasileira. Tornou-se também, no gênero, um clássico da própria literatura universal, uma vez que essa obra se coloca entre os livros de primeira grandeza escritos até hoje sobre a vida e a doutrina do mestre da Galiléia.

O cristianismo profundo do autor – e, até mesmo, seu ascetismo, decorrente de uma grande fé cristã -, a vivacidade e o calor humano que afloram nas páginas deste livro e a densidade intelectual que lhe empresta extraordinária consistência, solidez e e riqueza explicam facilmente porque Plínio Salgado veio a ser um dos mais importantes políticos da história brasileira.

Decerto que a atividade política, quando corretamente praticada guarda muita proximidade com o exercício do munus religioso. Não foi outra a razão que certamente levou o pernambucano Joaquim Nabuco a afirmar ser a política uma ação missionária. Enfim, a política é como a fé religiosa, um sentimento peregrino.

Explica-se, assim, a razão pela qual o carisma, expressão que, no passado, era utilizada para caracterizar os dotados de dotes sobrenaturais (especialmente os santos e mártires) tenha passado também a ser atributo a integrar o perfil do autêntico homem público. Pois, de um e de outro, religiosos e político, não se prescinde da força do exemplo que se dá como um corolário de uma reta conduta dedicamente integralmente ao bem comum, ao serviço da causa que professam. Assim, a ambos cumpre, como o exemplo e a ação, exercitar tarefas catequéticas, de proselitismo em favor das convicções e valores que abraçaram.

Não se pense, todavia, que o ministério do homem de estado não tenha para a igreja valor e significação. Ao contrário, a doutrina católica consigna relevante importância à crescente melhoria da vida do homem em seu trânsito pelo mundo. De fato, o Concílio Vaticano II é suficientemente esclarecedor: “a obra redentora de Cristo, que consiste essencialmente na salvação dos homens, inclui também a instauração da ordem temporal. Portanto, a missão da Igreja não consiste só em levar aos homens a mensagem de Cristo e sua graça, senão também em penetrar do espírito evangélico as realidades temporais e aperfeiçoá-las“.  Portanto, a doutrina cristã não apenas conhece a importância da atividade política: estima-a e exalta-a.

Essa concepção de vida parece ter norteado Plínio Salgado. Sua mensagem – que muitas vezes escutei, ao tempo em que com ele convivi na Câmara Federal – decorrente da notável combinação de um sólido idealismo com uma larga visão do homem e do mundo, que lhe proporcionou o humanismo cristão, tinha uma abrangência universalizante.

Sem desejar apreciar o mérito do movimento político que ele criou e liderou, será justo afirmar-se que as páginas da Vida de Jesus demonstram que o autor não era apenas um homem dotado da mais lídima sensibilidade humana e cristã, mas também possuidor da mais firme consciência da limitação do Estado em face de Deus e do homem e do mais alto respeito pelos valores da humanidade.

Do mesmo modo, a solidão e a angústia do exílio o levaram a sentir o desconsolo de julgar-se mal compreendido. Ele, que fora acusado de querer implantar um estado totalitário e absorvente, aproveita o episódio da cura do paralítico, no sábado, proibida por lei, para lembrar a justificativa de Cristo: “O sábado foi feito por causa do homem e não o homem por causa do sábado”.

Constrangido com as acusações que pesavam sobre seu pensamento político, permeado de convicções cristãs, Plínio Salgado deplorava: “Nada é mais capaz de levantar em nossos corações todas as revoltas, as supremas revoltas que levam às cóleras sagradas e às explorações de todos os sentimentos, do que sermos acusados exatamente do contrário de tudo quanto fizermos ou de vermos deduzir da nossa palavra o pensamento oposto ao que ela contém“.

É verdade que não temos condições de avaliar, por inteiro, os objetivos do movimento político de Plínio Salgado, pois ele não chegou a viabilizá-lo, isto é, a construir a “nova nação” que idealizara. Desse modo, não seria correto julgar o que não existiu, nem tirar ilações do que não aconteceu.

Sua formulação política passou a permanecer envolta nas dobras da história. Mas ninguém pode deixar de lembrar que Plínio Salgado foi um cidadão modelar, em suas qualidades cívicas e em sua conduta religiosa. E felizes são aqueles que conseguem cumprir este itinerário e merecer, por antecipação, pode-se dizer, o reino de Deus, vez que ninguém irá para ele, como o próprio Plínio Salgado afirmou “contra a vontade“, pois “Cristo não quer governar escravos“.

Por isso, não será exagero dizer que as lições contidas em todo o desenvolvimento dessa obra de Plínio Salgado continuarão a atravessar o tempo – como a própria mensagem universal e eterna da Igreja – e a ter, merecidamente, enorme relevância para todo o povo de Deus.

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Marco Antônio de Oliveira Maciel – Diário de Pernambuco. Recife, terça-feira, 6 de novembro de 1984. Ed. 305.

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