Heraldo Barbuy - professor, pensador, filósofo, sociólogo, historiador, jornalista, tradutor, conferencista e orador. Autor do importantíssimo "O Problema do Ser e Outros Ensaios".

As novas gerações infelizmente não conhecem esse brilhante professor, pensador, filósofo, sociólogo, historiador, jornalista, tradutor, conferencista e orador que foi Heraldo Barbuy.

Nasceu em São Paulo, no ano de 1913, filho de Hermógenes Barbuy e de Maria Chinaglia Barbuy, aquele que, como observou Gilberto de Mello Kujawsky, foi sempre fiel ao nome, que significa arauto, posto que jamais “deixou de ser o portador da palavra, e do poder espiritual da palavra. Não da palavra oca e sonora, e sim da palavra repassada de pensamento e sentido, ‘logos’”. O autor de “Fernando Pessoa, o outro” – que se considera devedor de Barbuy pela revelação que fez, a ele e a tantos outros, “da vida como missão de grandeza, da cultura como criadora de sentido, da história como fonte da realidade, da poesia e da mística como iniciação ao êxtase” – evocou o “assombroso poder verbal” com que Heraldo Barbuy “familiarizava imediatamente os ouvintes com os temas que focalizava na sala de aula, no salão de conferências, no rádio (onde apareceu amiúde durante algum tempo), na televisão (onde apareceu algumas vezes com enorme sucesso), ou na simples conversa entre amigos”.

Heraldo Barbuy foi – no dizer de Paulo Bomfim, o inspirado poeta da Terra Bandeirante – um “cruzeiro estelar” que “guiou a todos através do mar tenebroso destes dias”. A seu lado, o autor de “Armorial” e muitos outros contornaram o “Cabo das Tormentas” e rumaram “para as Índias secretas do pensamento e da beleza”. Barbuy, “último cruzado num mundo onde os homens se mecanizam e as máquinas se espiritualizam”, conduzido, como lembra o autor de “Antônio triste”, pelas “paixões e por sua vontade de acertar, caminhou da trapa ao ceticismo, do ceticismo a São Tomás, de Santo Tomás a Heidegger”.

Barbuy – aquele “homem da ‘Floresta Negra’, ser cósmico” que rumou “para a morte lendo Novalis, Hoelderlin e Rilke, ouvindo Beethoven, Wagner, Richard Strauss e Carl Orff”, ainda no dizer do poeta de “Transfiguração” – escreveu ensaios filosóficos fundamentais como “O problema do ser” (1950) e “Marxismo e Religião” (1963). Nesta última obra, demonstrou o Mestre que o marxismo constitui, antes e acima de tudo, uma heresia do Cristianismo, sendo a concepção marxista do Homem não mais do que “a degenerescência da concepção cristã do Homem”.

Aquela “personalidade marcante de fulgurante inteligência e de soberbas virtudes humanas”, no dizer do pensador humanista Jessy Santos, aquele que foi, ainda segundo Jessy, um “católico fervoroso”, “um homem religioso no sentido mais autêntico do termo” e “um pai de família extremado em zelos”, proferiu dezenas de magníficas conferências e foi um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Filosofia, colaborando na “Revista Brasileira de Filosofia”, de cujo conselho de redação foi membro. Colaborou também na revista e no jornal “Reconquista”, periódicos tradicionalistas dirigidos respectivamente por José Pedro Galvão de Sousa e Clovis Lema Garcia, em revistas como “Clima”, “Diálogo”, “Convivium” e “Problemas Brasileiros” e em jornais como “Correio Paulistano”, “O Estado de S. Paulo”, “Folha da Manhã” e “A Gazeta”.

A obra de Heraldo Barbuy, como lembrou o Prof. José Pedro Galvão de Sousa – o maior pensador tradicionalista do Brasil ao lado de Plínio Salgado, na abalizada opinião de Francisco Elías de Tejada y Spínola – “ficou muito longe de esgotar o tesouro das reflexões que ao longo dos anos ele foi acumulando sobre os grandes problemas da existência e do destino do homem”, sendo que “os que tiveram a ventura de conhecê-lo de perto e de privar de seu convívio bem sabem quanto o conteúdo do seu riquíssimo mundo interior ultrapassou a dimensão dos escritos legados por ele à posteridade”. O mesmo foi observado pelo saudoso e inolvidável Prof. Miguel Reale, na ocasião em que estive em sua casa.

Como professor, Heraldo Barbuy lecionou nos colégios Bandeirantes, Pan-americano e Rio Branco, na Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae, na Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de São Paulo e na Fundação Armando Álvares Penteado. No Colégio Rio Branco, foi professor de Gilberto de Mello Kujawsky, de Paulo Bomfim, Antônio Ermírio de Moraes e de outras ilustres personalidades, incluindo a pessoa com quem se casou, a filósofa e professora universitária Belkiss Silveira Barbuy, autora de “Nietzsche e o Cristianismo”.

Dentre os amigos de Barbuy que freqüentavam sua casa na Rua Groenlândia, destaco o magno filósofo Vicente Ferreira da Silva, maior intérprete de Heidegger no Brasil, sua esposa Dora Ferreira da Silva, poetisa e tradutora de Hölderlin, Rilke e Jung, a irmã desta, Diva de Toledo Piza, espírito profundo, amiga e tradutora de Julián Marías, Mílton Vargas, engenheiro, filósofo e tradutor de grandes poetas de língua inglesa, o filósofo helenista e germanista português Eudoro de Sousa, o pensador e poeta Mário Chamie, o filósofo e teólogo Adolpho Crippa, admirador de Vicente Ferreira da Silva e fundador da revista “Convivium”, os já citados José Pedro Galvão de Sousa, Paulo Bomfim, Gilberto de Mello Kujawsky e Jessy Santos, o romanista Alexandre Augusto de Castro Correa, o filósofo hegeliano Renato Cirell Czerna e tantos outros não menos ilustres.

A primeira obra escrita por Heraldo Barbuy foi o romance “O Beco da Cachaça”, publicado em 1936, quando o autor tinha apenas vinte e três anos de idade.

“O Beco da Cachaça” é – como foi observado por Zélia Ladeira Veras de Almeida Cardoso – “uma obra saudosista”, que mescla “um tom romântico de influência hugoana a vago sabor decadentista, próprio dos textos do início do século”.

É em razão de seu tom romântico, influenciado sobretudo por Victor Hugo, que “O Beco da Cachaça” constitui – como notou Maria Lúcia Silveira Rangel – “um livro singular”, muito diverso dos livros de seu tempo, tempo dos escritores “da Semana de 1922 e dos autores regionalistas da década de trinta”.

Heraldo Barbuy descreve, em “O Beco da Cachaça” – “preito de um triste a todos os tristes, que na partilha dos bens da Vida, de seu tiveram apenas a derrota e o desespero” – aquela provinciana São Paulo, “triste e encolhida à beira de um riacho sem ondas, embalada à meia luz de lampiões fumegantes, pela viola dos seus trovadores, sacudida à meia noite pelo canto dos seus escravos, oculta sob a grossura de suas baetas, envolta sob o manto da sua neblina eterna, ajoelhada no silêncio das suas igrejas, encantada pela alegria ingênua dos seus domingos festivos, meditativa e grave na sombria austeridade de todos os seus dias”.

Em seu “romance de costumes paulistas” do século XIX, Heraldo, “num belo estilo romântico de ressonâncias hugoanas” – como lembrou Belkiss Silveira Barbuy – “narra as vidas interligadas de um velho filósofo e de um jovem e atormentado monge, ambos projeções de sua personalidade básica”.

O velho filósofo é Cintra, homem de extraordinária cultura, “a Enciclopédia, a Sabedoria, o dicionário, o orador do beco da Cachaça, o chefe do clube dos Sete”, grupo famoso que se dizia representante dos sete pecados capitais e se arvorava em “Associação Secreta dos Amigos dos Escravos” num tempo em que ainda faltava muito para a Lei Áurea.

E o jovem monge, Frei Amaro, – o corcunda, nascido Jacques Godart de Luciis em Paris, filho do gentil-homem italiano Rolando de Luciis e da bela parisiense Brunhilde Louise Godart, filha de “pacatos e ricos burgueses” – é aquele que ao mesmo tempo ama e odeia a formosa Ara, a “menina do livrinho de missa”, filha do poderoso Conde de Alvyllar, assassino de sua mãe.

Frei Amaro, que deveria celebrar o casamento da jovem Ara, a fere mortalmente com um punhal, e no instante seguinte cai também, fulminado pela dor e pelo arrependimento, tendo olhado para a imagem do Cristo que parecia se despregar da cruz e acusar: “Eu fui vestido com a túnica dos loucos e entretanto perdoei! Tu foste vestido com a minha túnica e entretanto te vingas!”

O Beco da Cachaça, em parte um trecho da atual Rua da Quitanda, era, ao tempo descrito por Barbuy, “viela estreita e comunicação escusa da rua do Comércio para a rua da Imperatriz, ao sul do Chafariz do Tebas, ao norte do beco do Inferno, seu irmão mais calmo”. O Beco da Cachaça, “tresudando vinho e fumaça por todos os interstícios desempenhava a função social de indispor entre si as taberneiras e ser, nas suas noites serenas, o teatro das disputas líricas, das dissenções políticas, de todas as lutas permanentes dessa mocidade estudantina cheia de Voltaire e Diderot; dessa mocidade que foi companheira de Castro Alves e Álvares de Azevedo”.

Ao esgotar-se a primeira edição de seu dramático e bem escrito romance, Barbuy não permitiu sua reedição, considerando aquela obra – como lembrou Raimundo de Menezes – nada mais do que uma manifestação de extemporâneo lirismo. Mas penso, como Zélia Cardoso, que foi esta, sem sombra de dúvida, “uma auto-crítica rigorosa demais, pois que ‘O Beco da Cachaça’ tem, evidentemente, seu mérito”.

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BARBUY, Victor Emanuel Vilela. Heraldo Barbuy e “O Beco da Cachaça”. São Paulo, 2007. Disponível em: http://cristianismopatriotismoenacionalismo.blogspot.com/2007/08/heraldo-barbuy-e-o-beco-da-cachaa_29.html. Acesso em: 12 fev. 2021.

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